Dez anos de Timor-Leste e uma liberdade «como não há em Portugal» - TVI

Dez anos de Timor-Leste e uma liberdade «como não há em Portugal»

Ramos Horta - MANUEL DE ALMEIDA / LUSA

Jurista português envolvido na crise política e militar de 2006 analisa a situação do país e aponta o que ainda falta fazer

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Timor-Leste é um país independente há dez anos. A paz e a liberdade parecem definitivamente conquistadas. A economia é desequilibrada, a indústria é frágil e a dependência do Estado é quase total. Os timorenses já não receiam um atentado, uma guerra civil ou uma ocupação a todo o momento, até porque a maioria tem de preocupar-se em colocar comida em cima da mesa.

Este é o retrato traçado por Domingos Tristão, jurista português que se mudou logo a seguir à independência para o país recém-criado. «A maior conquista dos timorenses nestes 10 anos foi a liberdade, poderem falar. Existe aqui uma liberdade como não há em Portugal», disse, ao tvi24.pt.

Apesar do desenvolvimento económico, há ainda «muita gente que não tem o mínimo de sobrevivência económica». «A maioria ainda luta para ter dinheiro para comer. Há mais dinheiro no país, mas falta um desenvolvimento económico mais equilibrado e distribuído», lamentou.

Domingos Tristão, desde 2005 conselheiro do governo timorense, recorda «o momento mais difícil» destes 10 anos: em 2006, um grupo de mais de 500 militares submeteu uma petição ao chefe das Forças Armadas, Taur Matan Ruak [que este domingo toma posse como presidente], e ao presidente da altura, Xanana Gusmão. «Queixavam-se que não eram promovidos nos quartéis» e que havia discriminação nas Forças Armadas, pelo que «abandonaram os quartéis».

«Xanana prometeu-lhes que a situação ia ser analisada, mas que tinham de regressar aos quartéis», conta. Foi criada, então, uma comissão para analisar as queixas e a atitude dos militares, que não obedeceram à ordem. «O general Taur Matan Ruak pediu-me um parecer, numa altura em que não havia legislação e a organização administrativa era muito ténue. Uma vez que não tinham obedecido ao presidente, considerei que tinham abandonado o posto de serviço e aquilo descambou», afirma.

Os militares foram exonerados, manifestaram-se e provocaram uma crise política e militar que só terminou após a morte do major Alfredo Reinado, durante um atentado contra o então presidente José Ramos-Horta, a 11 de fevereiro de 2008, no mesmo dia em que dispararam contra a casa do primeiro-ministro Xanana Gusmão.

Vários deputados defenderam que Domingos Tristão «devia ser expulso» do país. «Não foi uma situação confortável. O palácio do governo destruído, fugiram todos. Houve dias em que ia para lá sozinho trabalhar, mas nunca tive problema nenhum, nunca me senti ameaçado», frisa.

Após a crise de 2006 e os atentados de 2008, o jurista garante que se instalou um clima de paz «que muita gente não acreditava ser possível» em apenas 10 anos. «As pessoas não têm receio que essas situações voltem a acontecer», assegura, dando como exemplo as eleições presidenciais de março e abril deste ano, que foram já «muito pacíficas». Taur Matan Ruak venceu à segunda volta, com mais de 60 por cento dos votos, e será investido no cargo este domingo.

Questionado sobre o papel da comunidade portuguesa nos últimos dez anos, Domingos Tristão garante que «os portugueses têm dado um apoio muito grande». « Os timorenses confiam especialmente nos portugueses, sabem que não estão aqui por interesse, mas para ajudar», diz, salientando que a «maior colaboração» se vê na educação e na justiça e que «a grande luta» tem sido no ensino da língua portuguesa, uma vez que «a geração até aos 40 anos não sabe falar português».

O conselheiro do governo timorense alerta que «falta ainda alguma formação» na área da segurança, pelo que, mesmo com o final da Missão Integrada das Nações Unidas (UNMIT) no país, em dezembro deste ano, espera que a GNR continue no terreno.

Para o futuro, Domingos Tristão espera que Timor-Leste procure «boas relações» com a Indonésia e a Austrália. «E devem expandir essas relações para outros países, como por exemplo os da CPLP. Este pode ser um bom caminho nas relações comerciais».
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